COLUNA DE ROBERTO AMARAL NO BRASIL 247-24/01/18


O que fazer, agora?

Como estava escrito (nem o reino mineral foi surpreendido),
o Poder Judiciário, agora por intermédio do Tribunal Regional Federal da 4ª
Região, anunciou a sentença de há muito lavrada pelos articuladores,
mantenedores e beneficiários do golpe de Estado de 2016.
Distante do modelo anacrônico das quarteladas clássicas,
dessas muitas que já povoaram a história das repúblicas e republiquetas
latino-americanas, sempre vimos no impeachment de Dilma Rousseff a efetivação
de um ‘golpe de Estado permanente’, mantido mediante operações continuadas, ou
seja, um golpe em processo, de implantação gradual e sempre inconcluso.
Pelo menos até que outra força possa substituí-lo.E é
exatamente isto o que se descortina à nossa frente.
A deposição da presidente Dilma, para a engenharia do golpe,
era uma necessidade, e a posse do mamulengo que dorme no Jaburu, uma
contingência, necessárias uma e outra para assegurar o grande objetivo de, com
aparência de legalidade, interromper de vez com a emergência das massas,
síntese ideológica do lulismo, que, sabendo ou não, tem suas raízes no
trabalhismo varguista, não sem razão igualmente estigmatizado pelas nossas
‘elites’, conservadoras, incultas e atrasadas.
Nas circunstâncias da crise política, só mesmo a força de um
golpe de Estado, e este foi apenas mais um em nossa História, poderia afrontar
a manifestação da soberania popular, ao pôr por terra um governo recém-eleito,
e, contra a manifesta vontade da sociedade, implantar uma política econômica,
neoliberal e antinacional, rejeitada em quatro pleitos presidenciais.
O impeachment era, portanto, insisto na tese, o ponto de
partida do golpe, que logo se materializou pela imediata entrega do petróleo do
pré-sal às multinacionais concorrentes da Petrobras e adversárias de nossa
autonomia energética, pelo desmonte do Estado e pelas ‘reformas’ , com destaque
para a revogação dos direitos trabalhistas, que remontam ao varguismo.
Por tudo o que óbvio, uma de suas metas mais preciosas, sem
dúvida a conditio sine qua non para o que ainda está por vir, era e é e sempre
será a destruição política do ex-presidente Lula, pelo que ele é e pelo que
simboliza. Portanto, o ataque a Lula tem como alvo o conjunto das esquerdas,
como ação e pensamento.
A impossibilidade da eleição de Lula, se possível não concorrendo,
foi sempre a condição autorizadora das ameaçadas eleições presidenciais deste
ano.
A tarefa inicial coube ao Poder Judiciário (em estreita
colaboração com o Ministério Público e a Policia Federal) e por força e
consequência dessa tarefa coube-lhe instaurar o estado de insegurança jurídica
em que perigosamente vivemos hoje. Esse seu papel não começa nem termina no
triste espetáculo do último 24 de janeiro, urdido e maquinado entre Porto
Alegre Curitiba e Brasília, afinal vindo a público nos discursos e nos votos,
adrede combinados, dos três julgadores que assumiram, sem mandato, o poder de
decidir o que se esperava que nosso povo pudesse decidir, as eleições de 2018 e
com ela nosso presidente e os destinos do país.
O papel político-partidário do Poder Judiciário começa com o
indiciamento do ex-presidente e a transferência do processo para o âmbito da
Lava Jato (decisão do ministro Edson Fachin), e tem continuidade na decisão
monocrática do lamentável ministro Gilmar Mendes, impedindo a posse de Lula na
chefia da Casa Civil da Presidência da República.
E ainda não terminou com a decisão do Tribunal de Porto
Alegre, porque, assim como o TFR-4, falarão as instâncias do Poder Judiciário
que doravante serão demandadas pela defesa do ex-presidente. Somente um néscio,
ou um idiota por indústria, e os há muitos, poderá ignorar os elos que ligam
cada uma das ações de cada um dos diversos atores.
Defenestrado do governo o lulismo com o impeachment, as
forças que nos governam foram surpreendidas com a reação popular materializada
na consagração do ex-presidente, apontado como virtual vencedor nas eleições
deste ano.
Para a ordem dominante — Temer, Geddel, Romero Jucá et
caterva –, configurava-se no horizonte o repeteco da inaceitável frustração de
1955 com as eleições de Juscelino Kubitschek e João Goulart, representantes, no
pleito em que saíram vitoriosos, do trabalhismo, após a deposição de Getúlio
Vargas, em 1954.
Daí a decisão de condenar Lula, jogando na inviabilização de
sua candidatura e, se possível, conseguindo, de lambuja, sua destruição
política. O Tribunal gaúcho simplesmente cumpriu com sua parte,
disciplinadamente, como, com igual perícia, ‘tecnicamente’ cumprirão com suas
tarefas o TSE, o STJ e o STF. O TFR-4 simplesmente lavrou ‘tecnicamente’ a
sentença antes ditada pela decisão política.
Até aqui essas são as táticas e as estratégias da Casa
Grande. E as forças progressistas, e as esquerdas de um modo geral?
Paralelamente, e desde principalmente a preparação emocional
para o golpe, isto é, de forma mais audaciosa a partir de 2013, vem a Casa
Grande, com o auxílio decisivo da mídia, sua mídia, investindo no acirramento –
ponto de partida para o conflito anunciado – da luta de classes. Estará ela
consciente de suas consequências, ou é mesmo pura irresponsabilidade?
O país, que até há pouco convivia, ou aparentava conviver
com suas diferenças, é continuamente chamado a tomar consciências dos diversos
andares pelos quais transitam nosso povo, e a ele é sempre lembrado – pelas
avenidas Paulista de todo o país que seu lugar, do povo, é o ‘andar de baixo’.
O pretexto Lula é o meio de pôr à luz do sol todo o preconceito que está na
base ideológica de dominação de nossa burguesia.
É evidente que esta postura terá consequências, pelo menos
no médio prazo, e seria razoável supor que uma de suas consequências seja a
revisão, pelas esquerdas, de suas táticas e de suas palavras de ordem, e acima
de tudo, uma readequação de suas organizações – a começar pelas partidárias —
para os novos desafios que a direita, que ainda toma a inciativa, está pondo na
liça.
É preciso compreender que as ameaças que se abatem sobre o
lulismo são as mesmas que se voltam para o pensamento progressista de um modo
geral, em todos os planos ideológicos, prometendo um retrocesso político cujos
limites não sabemos prever.
Para compreender as características do novo quadro
estabelecido por mais uma iniciativa bem sucedida da direita, é preciso, ainda,
entender que os adversários da direita , e por consequência suas vitimas, não
se reduzem ao PT, a Lula e ao lulismo.
Suas baterias apontam para a contenção histórica, para o
retrocesso político, miram os movimentos sociais e o pensamento progressista,
se voltam contra todo projeto de nação que tente conciliar desenvolvimento
nacional com soberania e emergência das massas.
Possivelmente ninguém no campo da esquerda chega ao absurdo
de duvidar dessa obviedade que é posta de manifesto para apoiar a pergunta que
todos, hoje, devem estar nos fazendo: O que fazer, agora? O que fazer no
imediato, com ou sem a candidatura Lula?
É preciso pensar no significado, e, principalmente, nas
consequências do pleito de 2018, e, com essas condicionantes, pensar no papel
do campo progressista, que, se não desejar jogar água no moinho da direita,
deverá estar unido, pelo menos, no âmbito programático (na discussão de um
programa mínimo de ação e propostas para refazer o país) que unifique as
esquerdas em torno e no compromisso de todos, com Lula se possível (e para isso
precisamos lutar), sem Lula se necessário, estar unidos no segundo turno.
É preciso, porém, para além de 2018 e para além do processo
eleitoral, pensar na recuperação de valores abandonados e de projetos esquecidos
como a denúncia da luta de classes e a defesa do socialismo.
Mas, acima de tudo, o quadro histórico de hoje cobra de
todos os partidos e de todas as correntes como de todos os lideres uma radical
reflexão em torno de nossos governos e de nossas posturas, de nossos projetos e
de nossas diferenças.
Essa reflexão poderá ajudar na superação de diferenças não
essenciais e unificar na tática a ação permanente de denúncia do esbulho e a
elaboração de um Programa de governo comum.
Não se trata se discutir, já agora, candidaturas ou alianças
eleitorais, mas sim de, antes delas, e acima delas, eleger os principais
objetivos da esquerda brasileira, hoje, no pleito eleitoral – crucial para a
vida nacional e nosso futuro imediato – mas discutir nosso papel independentemente
do pleito, e fora dele, antes e depois.
Há duas lições a recolher. A Direita, repetindo os episódios
consequentes da renúncia de Jânio Quadros (1961), nos entrega a bandeira da
legalidade democrática. A segunda lição nos é oferecida pela mobilização
popular e seu papel, decisivo, nas batalhas de hoje.
Às ruas, portanto.

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